Pronto! Acabou!
Terminou mais um Natal, essa época festiva em que todos temos que simular um processo de reconciliação com tudo e todos e em que supostamente nos deixamos inundar por um espírito divino de amor pelo próximo.
Se isto já é suficientemente difícil e patético para os comuns mortais, imagine-se para nós Demónios… o esforço monumental a que nos prestamos para não nos desmascararmos. Afinal de contas, a hipocrisia que sagra na raça humana (a que muito nos deve), tem como apogeu esta fase natalícia, pelo que não nos é de todo conveniente contraria-la. Não será demais recordar-vos, caros colegas, que encapotados nesta dinâmica de amor fraternal e espírito cristão, jazem um negro instinto consumista materialista e uma devassa avidez de gula desenfreada. Apesar de os Demónios patronos destes vis actos não serem da nossa linhagem, respondem igualmente ao nosso Maior e portanto há que manter o embuste a todo o custo.
Foi então que, ao final do dia maldito, com um misto de alívio e satisfação, os três 6 desta Masmorra se juntaram mais uma vez em brutal celebração. Animados pelos néctares ardentes que íamos ingerindo e que nos percorriam as veias, descemos às catacumbas de uma qualquer masmorra emprestada e assistimos à performance cénica e musical dos Bizarra Locomotiva.
Uma verdadeira catarse tântrica foi o que aí se passou. O brutal desempenho deste agrupamento musical serviu para nos limpar das amarguras do período que então findava e simultaneamente para recarregar as baterias do ódio e da perfídia que procuramos manter sempre próximo do máximo.
Difícil destacar algum momento, de tão sublime e apoteótica que foi toda a prestação destes esbirros do Mal. Apesar de tudo e dado o acanhamento do espaço em que praticamente não havia distinção entre plateia e palco, atrevo-me a destacar alguns pontos mais negros: o arranque com o tema egodescentralizado que praticamente logrou isso mesmo, ie, arrancar-nos as cabeças à força dos decibéis excessivos, a queda do Rui Sidónio no chão por entre o publico onde permaneceu inanimado por largos minutos, a sonora cabeçada de BJ numa viga de ferro quando num épico momento cénico, foi elevado em ombros pelo Rui Sidónio (já recomposta da queda anterior), e a entrada de Fernando Ribeiro que vociferou em perfeita sintonia com Rui Sidónio o tema Anjo Exilado:
“Renego, Renego tudo, renego mais que tudo
Renego ao deus atroz em hora de assombro (…)”
E finalmente, aquele que terá sido o momento mais especial para todos os membros da banda. Tendo-se apercebido da nossa presença por entre o compacto público, passaram de imediato à interpretação do bestial Ergástulo! Era notório o orgulho com que dirigiam os seus olhares alucinados na nossa direcção sempre que o soava o refrão e se ouviam as elogiosas palavras a nós destinadas:
“Basta, sou estrume! Esta é a minha certeza,
Fertilizante orgânico, do Mal que tudo corrompe”
E foi assim, que terminada esta actuação destes Senhores do metal industrial, coadjuvados pelo cabecilha dos Moonspell, nos retiramos desse belo antro, mais sujos e conspurcados interiormente do que nunca, com o espírito natalício definitivamente decepado a jazer sob os nossos cascos e plenamente convictos de que o futuro é nosso e que o nosso Mestre terá porventura as piores razões para sorrir.