Estava passando os olhos pelos escritos do nosso amigo Vlad Nabo quando li, incorporado no romance, este desabafo de um colega inexperiente. Logo descortinei um relato sincero de um pobre diabo que, ao confessar a sua incapapacidade para certas tarefas, procurava conselhos de Diabos a sério como nós. O estilo da missiva, nota-se, é fortemente influenciado pelo da Masmorra, e tenho a certeza que quando foi escrita e incorporada no livro (editado há apenas 50 anos atrás), se destinava tão somente a captar a nossa atenção e aceitar humildemente o que pudessemos dizer sobre o assunto.
Leiam o que se segue e escrevam algumas palavras ao nosso pouco corajoso amigo.
"O cenário era, de facto, perfeito para um assassínio rápido e borbulhante, contando ainda com a vantagem de uma subtileza: o homem da lei e o homem da água estavam suficientemente perto para testemunhar um acidente e suficientemente longe para observar um crime. Estavam suficientemente perto para ouvir um angustiado banhista debater-se na água e gritar e pedir que alguém o ajudasse a salvar a mulher que se afogava; mas estavam muito longe para distinguir (se por acaso olhassem antes de tempo) que o tudo menos angustiado banhista acabava de puxar a mulher para debaixo de água. Ainda não chegara a essa fase; pretendo apenas dar uma ideia da facilidade do facto, da excelência do cenário! Charlotte nadava com aplicada falta de jeito (era uma sereia muito mediocre), mas não sem um certo prazer solene (não tinha o seu tritão ao lado?), e, enquanto a olhava com a crua lucidez de uma futura recordação (compreendem o que quero dizer: tentando ver as coisas como nos lembraremos depois de as ter visto), [...] enquanto observava tudo isso compreendi que me bastava ficar para trás, respirar fundo, agarrar-lhe num tornozelo e mergulhar rapidamente com o meu cadáver cativo. Digo cadáver porque a surpresa, o pânico e a inexperiência levá-la-iam a engolir, logo, um letal galão de lago, enquanto eu poderia aguentar pelo menos um minuto inteiro, de olhos abertos debaixo de água.[...] Eu poderia vir à superficie tomar fôlego, sem deixar de a manter debaixo de água, e mergulhar de novo, as vezes que fossem necessárias, e só quando o pano descesse definitivamente sobre ela me permitiria gritar por socorro. E quando uns vinte minutos decorridos, os dois títeres, a crescer gradualmente, aparecessem num barco a remos, meio pintado de novo, a pobre Mrs. Humbert Humbert, vitima de cãibras, ou oclusão coronária, ou ambas as coisas, estaria a fazer o pino no lodo fervilhante e cor de tinta, uns nove metros abaixo da sorridente superfície do lago Hourglass.
Simples, não era? Mas que querem, amigos? Não fui capaz de o fazer!
Ela nadava a meu lado, foca confiante e desajeitada, e toda a lógica da paixão gritava aos meus ouvidos: "É agora o momento!" Mas, camaradas, não fui capaz! Virei para terra, em silêncio, e, gravemente, obediente, ela virou também, e o Inferno continuou a gritar-me o seu conselho, e eu, continuei sem coragem para afogar a pobre, escorregadia e corpulenta criatura."
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2 comentários:
Grande Nabo!
Há muito que não recebíamos novas vossas!
Qual o diabo, que nas suas deambulações iniciais, não se viu perante dilema semelhante ao relatado? Nenhum, diria eu.
Este acobardar perante a eminência de uma maldade de nível médio, indicia fortemente que este pobre não chega a diabo.
Mas não desespere! Há lugar para todos na Masmorra Infernal do Sr. Satanás. Se não for a praticar o Mal, será com certeza a receber o Mal. Com contactos tão bons, como nós próprios, considere garantida umas ferias no Inferno, envolto em chamas, e repleto de espetadelas de tridente.
É disto que se faz o mundo em que habitamos...projectos geniais que ficam na gaveta. Ideias sublimes, com tudo para dar certo e que não se concretizam devido a um "Não sou capaz!"...
Valem os pensamentos desse grande nabo e a sua descrição meticulosa do plano, genial diria eu, e com tudo para dar certo.
A cobardia tem destas coisas, quantos crimes ficaram por cometer por falta de coragem?
Quanta justiça satânica ficou na gaveta? Deixando pobres inocentes em paz e sem sentirem as nossas lâminas afiadas, rasgando, de forma fria, e insensível, apenas pelo sublime prazer de dar tranquilidade aos nossos instintos!!
Pois, muito ficou para fazer! Mãos à obra, e não vamos esmorecer por este mau exemplo do Nabo, tão bem recuperado pelo colega Maléfico.
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