quarta-feira, 21 de maio de 2008

O mistério de Ugolino

mafarrico,

Dante nas suas deambulações pelo nosso lar cruzou-se com várias personagens (que nós, na maioria, conhecemos de vista), entre elas encontra-se Ugolino de Pisa encarcerado no circulo nove, circulo destinado aos traidores. O homem está congelado nos gelos do Inferno, só com a cabeça de fora e roendo a caveira de Ruggieri que fora o Arcebispo de Pisa.

Parece que em vida, não morriam de amores um pelo outro.

Em tempos idos, antes da morte de ambos, Ruggieri teria razões de queixa de Ugolino e , tendo poderes para isso encarcerou-o mais os quatro filhos na Torre da Fome onde os deixou até sucumbirem à ... fome.

Em conversa com Dante, Ugolino conta como ao fim de uns dias na dita torre e após pesadelos terríveis começa a enlouquecer e a morder as próprias mãos. Os filhos pensado que o seu pai tinham fome ainda lhe disseram :
... tu ne vestisti queste miseri carni, e tu le spoglia (Inferno, XXXIII, 62-63)
Ele não liga muito a isso, e ao quinto e sexto dia vê-os morrer (presumivelmente uns de cada vez e não todos ao mesmo tempo). No dia seguinte Ugolino fica cego e apalpa os corpos dos filhos falando com eles. Um terror imaginável.

É então que é proferida a frase que até hoje não está bem clarificada e que tem sido objecto de debate por pensadores através dos tempos. Diz Ugolino
"Poscia, piú che'l dolor, potè il digiuno."


É claro que eu nunca li Dante, aquilo pode ser porreiro mas é em verso e é grande à brava e eu não estou para ai virado. No entanto, tenho na minha posse um livro escrito pelo génio Jorge Luis Borges intitulado "Nove Ensaios Dantescos" que é a compilação de nove pontos de vista de Borges sobre nove passagens do livro de Dante e mais um prólogo interessante.

É mais um livro que nos convém porque assim com pouco esforço podemos passar a ilusão que lemos esta obra maior que todos conhecem ... de nome. Pode dar bom aspecto, depende da situação.

Finalizo com a convicção que se esta minha referencia literária tiver tanto sucesso como as outras me pedirá o livro emprestado por alturas do primeiro equinócio do próximo milénio, e então terei muito gosto em o deixar passar os olhos pela capa.

M.P.

11 comentários:

Diabolicus disse...

Cultura a rodos e uma história interessantíssima nos deixou aqui hoje Maléfico.

Se na realidade Ugolino foi tão grande traidor, poderá dizer-se que lhe foi aplicada uma pena pela medida grande e tenho pena apenas que o latim que pratico não seja o suficiente para traduzir as frases que tão gentilmente nos cedeu..

Ou será que foi preversidade sua deixar-nos frases que sabia de antemão não iriamos descortinar o sentido??

Seria isso pérfido Maléfico??

Diabolicus disse...

Pelo que pude investigar pelos velhos livros já meio desfeitos que se encontram pelo chão da Masmorra, os filhos de Ugolino ter-se-ão voluntariado para ir ter com o pai pelo grande amor que nutriam por ele.

Já a segunda frase em latim, encontrei algumas explicações para ela, e aparentemente induz a actos de canibalismo praticados por Ugolino, não estando esta tese completamente provada.

Aparentemente Ugolino terá cedido à fome e dado umas trincas nos filhos, facto que não é subscrito por alguns em virtude de na sua avançada idade (80 anos) já não ser capaz de mastigar mais do que uma sopa, e deitando as culpas dos nacos mordiscados nos filhos para os ratos.

Não sei, não sei ao certo o que se passou, o que é certo é que nós também temos bastantes ratos na masmorra e eles têm o bom senso de não se meter connosco.

Maléfico Patético disse...

colegas,

sim deixei propositadamente as palavras não traduzidas para que lessem a história sem terem a plenitude da atrocidade que acabaram de ler.

É uma bela história atroz.

É verdade que os filhos do Ugo se ofereceram para matar a fome do pai, não deviam ser bons da tola. E mais tarde Ugo deixa pairar a suspeita sobre si próprio que se teria banqueteado com a carne dos seus quatro filhos, o que lhe valeu uma extensão de dois dias na sua longa vida.

A sua frase significaria algo como :
"Depois, a fome pôde mais que o luto ... "

\m/afarrico disse...

Caramba, chego um pouco atrasado à MI e já a aturada discussão vai longa!

Conheço bem este caso. Tive a oportunidade de na altura ter confraternizado com os intervenientes, e posso desde já afiançar que há aqui algum exagero.
O Ugolino era na verdade um porcalhão. Na altura disse-o e cheguei a sugerir que o congelassem, mas com a cabeça para baixo, ficando apenas os pés de fora. Mas depois foi-me dito, que tal e coisa, e o Dante quer falar com ele, e os pés cheiram mal, enfim o sistema que bem conhecemos. Acabou por ser beneficiado e lá o congelaram com a cabeça de fora.

Quanto à história, em vida, do dito personagem e dos seus filhos, é real que terá praticado canibalismo com os corpos dos filhos, mas mais uma vez há aqui algum empolamento dos factos. Se não vejamos, segundo os relatos aqui testemunhados, o homem de 80 anos terá consumido a carne de 4 homens. Ora se cada um pesar uns 70 kg (recordo que deviam estar um pouco magros devido à fome), ainda assim estaremos a falar de uns 280 kg!!! Dado que os corpos mortos têm a desagradável tendência para entrar em decomposição, presumo que o Ugo tenha consumido tal quantidade de carne em não mais do que 4 dias.
Conclusão, morreu sim, não de fome de congestão.
O que nos leva à ultima e enigmática frase (em italiano), "Poscia, piú che'l dolor, potè il digiuno", que atesta a verdade da minha teoria, sendo a sua verdadeira tradução "Poça pá, sinto uma dor, já não tomo pequeno-almoço", tendo sido estas as suas derradeiras palavras.

Maléfico Patético disse...

mafarrico,

onde tem estado? todos estes séculos, tantos pensadores, historiadores, literários a discutir o significado de tais palavras ... e afinal era tão simples!

Só um senão ... nos relatos que eu li diz-se que o Uga teria 70 anos e não 80, e na foto tirada por william blake os filhos nao parecem muito anafados.

Diabolicus disse...

Não sei de onde veio a ideia de comer os 4 ao mesmo tempo...penso que se trata de fantasia do Mafarrico.

É um facto que não há fome que não dê em fartura, e naquele caso era tudo caseirinho, mas sinceramente, debilitado como ele estaria, e já sem dentes, não acredito que conseguisse ingerir tal quantidade.

Em todo o caso o colega Mafarrico veio dar-nos mais um contributo na descoberta da verdade, e de facto aquela palavra "digiuno" soou-me ao castelhano desayuno, e deverá ser uma referência ao nosso pequeno-almoço.

Eu também me lembro do Ugolino, mas era uns anos mais velho e andava mais à frente, em todo o caso o seu exemplo para sempre perdurou nos mais novos.

\m/afarrico disse...

Aproveito este momento único na longa historia da MI, para responder a ambos simultaneamente.

Obviamente que o Ugo não procedeu à ingestão dos 4 corpos simultaneamente! Aliás, se atentarmos nos escritos originais do Maléfico, aferimos que os descendentes terão levado a cabo a tarefa de morrer, de forma faseada, ie, um de cada vez de forma bem organizada e sistematizada.
Isto terá permitido ao ancião, banquetear-se com os restos mortais sim, mas um de cada vez.

A teoria de que os filhos terão voluntariamente aderido ao mortal destino do pai, apenas por amor e que com o aproximar do apoteótico final, pleno de desespero e angustia, terão inclusive oferecido as suas carnes para saciar a fome deste, é falsa!
Se não vejamos: mesmo que os 4 imberbes tenham sido loucos suficiente para fazer tal proposta, o que teria Ugolino a beneficiar da presença destes 4 lunáticos? Não seria já de si desagradável a ideia de morrer à fome na solitária cárcere? E porquê morrer à fome e ter que aturar estas 4 criaturas, que obviamente não batiam bem da bola?
Será que um deles terá tido uma saída à Monty Piton, uma vez os 5 fechados na torre, e dito algo do género “ok pai, o nosso plano é assim, agora aquele de nós que ficou lá fora, avança sobre os numerosos guardas da torre dominando-os, rouba a chave e liberta os restantes!”, após o que terão trocado olhares de desespero e incredulidade.

A atestar ainda a veracidade desta minha teoria, que à semelhança de todas as teorias que venho defendendo, está correcta, há ainda um famoso dito que perdurou para sempre e ganhou o estatuto de provérbio popular. Estando já e apenas vivos, Ugolino e 2 dos 4 filhos, um deles (dos filhos) terá dito ao outro “Nem o pai morre, nem a gente almoça!”.
Ugolino comeu os corpos dos 4 filhos sim, mas apenas porque foi o ultimo a morrer!

Maléfico Patético disse...

mafarrico,

se tem falado mais cedo, tinha poupado séculos de debate acerca das palavras do ugolito.

Agora que todos sabemos a verdade, apoiada pelas suas sábias palavras vamos manter-nos calados e rir a bom rir dos falso argumentos com que esses pseudo-intelectuais literados se esgrimem.

Vai ser só gargalhadas, eu digo para nos juntarmos a eles e sempre que eles falem do assunto nos riamos lunáticamente mas sem nunca explicar porquê.

\m/afarrico disse...

Lamento, estava distraído. Sabe como é, um diabo olha para o lado para fazer umas quantas diabruras e quando dá por ela passaram-se séculos!
Façamos isso então. Riamo-nos nas suas caras, lançando uma chuva de viscosos perdigotos, sempre que iruditos mal informados conjecturem sobre a misteriosa sorte de Ugolino e sua prole!

Maléfico Patético disse...

mafarrico

aprecio a maneira como propositadamente escreveu errado a palavra erudito. Sem dúvida uma maneira inteligente de nos rirmos nas caras dessas pessoas.

\m/afarrico disse...

Maléfico,

Permita-me que o corrija. Interpretou de forma errónea o texto que lhe dirigi.
Não me referia aos eruditos, esses personagens que se dão a poses de cultos e gostam de bafejar pseudo-cultura sobre os supostamente não-iluminados.

Ao escrever ir-u-ditos, queria na verdade salientar o impacto da deslocação dos conhecimentos, dos ditos, da cultura por entre os…. coiso.